sexta-feira, 30 de outubro de 2009

As classes perigosas

Cadernos e livros nas carteiras. Crianças encostadas nas paredes. Meninos de um lado, meninas de outro. No lugar do professor, policiais militares fazendo revista. Não é cena de nenhum enlatado americano nem a ação de nenhuma ditadura africana ou sul americana. Trata-se da mais nova (ou seria velha) estratégia de combate à violência e ao porte de armas nas escolas públicas de Brasília.
Depois de séculos de reflexão sobre a questão pedagógica e das inúmeras tentativas de transformar a escola num lugar agradável para se ensinar e aprender, ela é agora vista como o espaço de manifestação de condutas violentas e se cobra dela colaboração na repressão. Para isso são erguidos muros, grades, instalam-se detetores de metal, câmeras de vídeo e coloca-se a polícia na sala de aula (talvez não tenham entendido bem a afirmação de que a polícia tem de voltar à escola!). É a pedagogia da segurança. Tudo para constatarmos assombrados que a violência não acaba.
O que chama mais atenção é que a escola, espaço de formação e socialização dos mais novos, seja vista hoje como um lugar de perigo. Paradoxalmente, a instituição que é responsável pela transmissão da cultura é encarada como o lugar da barbárie. O que se diz é que os responsáveis (e principalmente as vítimas) por esta violência são os jovens. As estatísticas policiais mostram as armas apreendidas em escolas, as explosões de bombas, o tráfico de drogas. A sociedade clama por uma solução.
A gravidade do problema e o medo que suscita abrem espaço para todo tipo de idéias que vão desde a proibição da venda de armas, passando pela redução da idade para imputabilidade penal até o que nos interessa aqui, a revista das crianças nas salas de aula.
À parte o fato de que precisamos de altenativas ( diria soluções estruturais), é necessário dizer que algumas das idéias em voga são pseudo soluções. Revista na sala de aula não é só pseudo solução é anti-solução.
A entrada da polícia numa sala de aula em uma escola de periferia para revistar crianças, aprofunda entre elas a percepção da escola como um lugar de repressão, um lugar onde não são respeitadas. Além disso, quebra a confiança que os jovens ainda depositam em seus professores, pois estes passam a ser vistos como aliados da repressão. Será que um jovem viciado terá a mesma abertura para uma conversa com a orientadora educacional após a instalação da pedagogia da segurança em sua escola? Ademais, não é novidade a profunda desconfiança que a polícia provoca em muitos jovens de periferia. Seus métodos de ação são muito criticados e os relatos de violência policial são constantes nas salas de aula. Esta desconfiança envolverá também a escola na medida em que ela passa a fazer parte do aparelho policial.
Outra objeção importante à pedagogia da segurança tem origem no seu caráter discriminatório, já que estas operações “Varredura” (é este o nome dado pela polícia) ocorrem em escolas públicas de periferia mas não são levadas a efeito nas escolas da classe média. É a velha ideologia das “classes perigosas” traduzida agora para “classes escolares perigosas”.
A polícia e a escola são duas instituições necessárias numa sociedade democrática, mas paradoxalmente, a importância de uma cresce na proporção inversa à importância da outra. Quando a polícia fica muito importante é porque a escola deixou de sê-lo. Na rua, a polícia é necessária na repressão às armas e crimes. Na sala de aula, o professor cumpre sua função milenar de transmissão da cultura, da civilização e da paz. A pedagogia da segurança é um erro porque transforma a escola no lugar onde os jovens são reunidos para serem controlados, quando deveríamos colocá-los juntos para educá-los. A polícia entrar na sala de aula é como o general entrando no parlamento para fechá-lo
O problema é grave, mas não nos iludamos com soluções fáceis, pois em geral o preço pago por elas é muito grande para suportarmos. Nunca é demais lembrar que os EUA, uma das sociedades que mais reprime a criminalidade inclusive nas escolas, é uma das mais violentas e suas instituições educacionais não são “lugares seguros”. Basta ver as chacinas que ocorrem nas escolas americanas para perceber que não temos a obrigação de copiá-los. Tudo leva a crer que estamos fazendo concessões demais à ideologia da segurança e todas as vezes que as sociedades fizeram isto o preço foi muito alto: a perda da liberdade.
Criminalizar as crianças não é a melhor alternativa, tampouco colocar a polícia na sala de aula, pois os jovens vão encontrar outras maneiras para resolver seus conflitos se não os ensinamos a lidar com eles através da palavra. A escola não é a solução nem o principal locus da violência urbana, mas pode proporcionar, através de um processo pedagógico lento, um espaço para que as crianças e jovens se armem dos instrumentos da cultura indispensáveis para saírem da sua condição de inferioridade social e em alguns casos de violência. Os educadores não podem tirar armas da cintura dos jovens, mas podem ajudá-los a tirá-las da cabeça.
A pedagogia da segurança não resolve e ainda cria mais um problema para a escola que é o do esgarçamento da confiança entre professores e alunos. Enfim, é preciso gritar em alto e bom som que a escola deve ser um lugar livre da violência, mas também não pode ser um caso de polícia. Mãos ao livro, crianças!
José Edmar de Queiroz

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