segunda-feira, 7 de dezembro de 2009

CULTURA - Textos

Um chinês louro, de olhos azuis
Clyde Kluckhohn.

Há alguns anos, conheci em Nova York um jovem que não falava uma palavra em inglês e estava evidentemente perplexo com os costumes americanos. Pelo “sangue”, era tão americano como qualquer outro, pois seus pais eram de Indiana e tinham ido para a China como missionários.
Órfão desde a infância, fora criado por uma família chinesa, numa aldeia perdida. Todos os que o conheceram o acharam mais chinês do que americano. O fato de ter olhos azuis e cabelos louros impressionava menos que o andar chinês, os movimentos chineses dos braços e das mãos, a expressão facial chinesa e os modos chineses de pensamento
A herança biológica era americana, mas a formação cultural fora chinesa. Ele voltou para a China.

1. O conceito antropológico de cultura
Marilena Chauí

Em termos antropológicos, podemos definir a cultura como tendo três sentidos principais:

1. Criação da ordem simbólica da lei, isto é, de sistemas de interdições e obrigações, estabelecidos a partir da atribuição de valores às coisas (boas, más, perigosas, sagradas, diabólicas), aos seres humanos e às suas relações (diferença sexual e proibição do incesto, virgindade, fertilidade, puro-impuro, virilidade: diferença etária e forma de tratamento dos mais velhos e dos mais jovens; diferença de autoridade e formas de relação de poder etc) e aos acontecimentos (significado das guerra, da peste, da fome, do nascimento, da morte, da obrigação de enterrar os mortos, proibição de ver o parto etc);

2. Criação de uma ordem simbólica da linguagem, do trabalho, do espaço do tempo, do sagrado e do profano, do invisível e do visível. Os símbolos surgem tanto para representar quanto para interpretar a realidade, dando-lhe sentido pela presença do humano no mundo;

3. Conjunto de práticas, comportamentos, ações e instituições pelas quais os homens se relacionam entre si e com a natureza e dela se distinguem, agindo sobre ela ou através dela, modificando. Esse conjunto funda a organização social, sua transformação e sua transmissão de geração em geração.


2. Cultura e identidade
Mário Bispo

Para a Antropologia, cultura é tudo aquilo que os homens produzem intencionalmente para sobreviver e satisfazer suas necessidades isto é: bens materiais, idéias, valores, linguagens, modos de pensar, sentir e agir.
Assim, afirmar que um povo não tem cultura ou que um indivíduo é inculto - por escutar música brega, assistir telenovelas e detestar teatro - é um erro do ponto de vista científico; confunde-se diferença cultural com sua inexistência. “O povo tem outras expressões culturais cujo ‘defeito’ é de não serem as mesmas da elite ou contrárias as da elite”. Foi justamente a elite que criou certas oposições de caráter pejorativo: cultura erudita x cultura popular, cultura primitiva x cultura civilizada.
Aliás, cabe lembrar que para a Sociologia, civilizar significa transformar, humanizar a natureza e assim, produzir a cultura. A civilização é o momento de elaboração das invenções e descobertas realizadas pelo homem para proteger sua vida, para torná-la mais independente das forças naturais.
No entanto, no contexto do imperialismo europeu, no século XVIII, civilizar passou a significar o enquadramento das culturas denominadas primitivas, a partir dos modelos culturais ditados por franceses, alemães e ingleses.
Para a Sociologia, a identidade é a fonte de significados e experiências de um povo, de uma nação, de uma etnia, de um grupo social. É um processo de construção de significado com base em um ou mais atributos culturais: a língua, os costumes, religião, as expressões artísticas como a dança e a música.
Por meio de um processo de comparação social, os indivíduos avaliam as características do grupo ou grupos a que pertencem. Nesse processo, eles procuram, comparando o seu grupo aos outros grupos, construir uma identidade social positiva. A comparação conduz ao favoritismo do próprio grupo e à discriminação dos outros grupos. Eis uma das causas dos conflitos étnicos, religiosos, raciais.
Todos nós estamos inseridos em diferentes grupos sociais. Como conseqüência, nós temos várias referencias para a formação de nossa identidade individual: família, raça, sexo, religião, idade, profissão, preferências musicais, etc. Para você, o que mais pesa na construção da sua identidade? A partir de quais atributos, as pessoas identificam você?
Nas comunidades antigas, a família era um desses fatores, por isso, a importância do sobrenome. Ele expressava uma profissão de um ancestral ou seu lugar de origem, seu território. Outros fatores importantes eram as músicas e danças. Elas contavam a história do povo.
Mas, com a globalização, há emergência de novas formas de identificação coletiva, as quais, por não mais se definirem em função de um pertencimento territorial, ou de uma tradição imemorial, mas em função de questões de relevância global.


3. A resposta dos índios

Certa vez, os governos dos estados da Virgínia e de Maryland, nos Estados Unidos, sugeriram aos índios que enviassem alguns de seus jovens para estudar nas escolas dos brancos. Na carta-resposta, os indígenas agradeciam, recusando. Eis um trecho da carta dos indígenas:
(...) Nós estamos convencidos, portanto, de que os senhores desejam o nosso bem e agradecemos de todo coração. Mas aqueles que são sábios reconhecem que diferentes nações têm concepções diferentes das coisas e, sendo assim, os senhores não ficarão ofendidos ao saber que a vossa idéia de educação não é a mesma que a nossa.
(...) Muitos dos nossos bravos guerreiros foram formados nas escolas do Norte e aprenderam toda a vossa ciência. Mas, quando eles voltavam para nós, eram maus corredores, ignorantes da vida da floresta e incapazes de suportar o frio e a fome. Não sabiam como caçar o veado, matar o inimigo ou construir uma cabana, e falavam nossa língua muito mal. Eles eram, portanto, totalmente inúteis. Não serviam como guerreiros, como caçadores ou como conselheiros.
Ficamos extremamente agradecidos pela vossa oferta, embora não possamos aceitá-la, para mostrar a nossa gratidão concordamos que os nobres senhores de Virgínia nos enviem alguns de seus jovens, que lhes ensinaremos tudo o que sabemos e faremos deles, homens. (citado por Carlos Rodrigues Brandão, O que é educação.)
Essa carta dos indígenas aos brancos mostra que não há um modelo único, uma forma única de educação. Mostra também que a cultura de uma sociedade é transmitida das gerações adultas às gerações mais jovens através da educação. Educar, pois, é transmitir aos indivíduos os valores, os conhecimentos e as técnicas, o modo de viver do grupo. Enfim, sua cultura.
A cultura é a “a vida total de um povo, a herança social que o indivíduo adquire de seu grupo. ou pode ser considerada a parte do ambiente que o próprio homem criou”.( Clyde Kluckhohn)
O antropólogo inglês Edward Tylor (1832-1917), definiu cultura como “todo complexo que inclui conhecimentos, crenças, arte, moral, leis, costumes ou qualquer outra capacidade ou hábitos adquiridos pelo homem como membro de uma sociedade.” Da definição de Tylor, que nega a base biológica da sociedade, provém a oposição entre natureza e cultura, com a supremacia da segunda sobre a primeira.
A aquisição e perpetuação da cultura é um processo social - e não biológico - resultante da aprendizagem. Cada sociedade transmite às novas gerações o patrimônio cultural que recebeu de seus antepassados. Por isso, a cultura é também chamada de herança social.
Cada povo tem uma cultura própria. Cada sociedade elabora sua própria cultura e recebe influência de outras culturas. Todas as sociedades, desde as mais simples até as mais complexas, possuem cultura. Não há sociedade sem cultura, do mesmo modo que não existe ser humano destituído de cultura. Desde que nasce, o homem é influenciado pelo meio social em que vive. A não ser o recém-nascido e os raros indivíduos que foram privados do convívio humano, não há pessoa desprovida de cultura. A cultura é um estilo de vida próprio, um modo de vida particular, que todas as sociedades possuem e que caracteriza cada uma delas.
A palavra cultura é utilizada em diversas situações com diferentes significados. Os biólogos se referem a criação de certos animais falando em cultura de germes, cultura de carpas etc.
Na linguagem cotidiana dizemos que um homem que freqüentou boas escolas, leu bons livros e possui modos refinados é pessoa de cultura.
Na Grécia Antiga o termos cultura adquiriu uma significação toda especial, ligada à formação individual do homem. Correspondia a chamada paidéia, processo pelo qual o homem realizava sua verdadeira natureza desenvolvendo a filosofia (conhecimento de si e do mundo) e a consciência da vida em comunidade.
Em todas essas acepções de cultura podemos perceber uma idéia básica de desenvolvimento, formação e realização.
Usada por antropólogos e sociólogos, a palavra cultura passou a indicar o conjunto dos modos de vida criados e transmitidos de uma geração para outra, entre os membros de determinada sociedade. Nesse sentido, abrange conhecimentos, crenças, artes, moral, leis, costumes e quaisquer outras capacidades adquiridas socialmente pelos homens (Edward Tylor).
A cultura pode ser considerada, portanto, como amplo conjunto de conceitos, de símbolos, de valores e de atitudes que modelam uma sociedade. Ou seja, a cultura engloba o que pensamos, fazemos e temos enquanto membros de um grupo social.
Nesse sentido, o termo cultura é aplicável tanto a uma civilização tecnicamente evoluída (como a dos Estados Unidos) quanto às de forma rústicas (como, por exemplo, a dos caçadores africanos bosquímanos ou a dos nossos índios botocudos). Todas as sociedades humanas, da pré-história aos dias atuais, possuem uma cultura. E cada cultura tem seus próprios valores e sua verdade.
Podemos acrescentar, por fim (...) que cultura é a resposta oferecida pelos grupos humanos ao desafio da existência. Uma resposta manifesta em termos de conhecimento (logos), paixão (pathos) e comportamento (ethos). Isto é, em termos de razão, sentimento e ação.


4. Os elementos da cultura

Traços culturais: são os elementos mais simples da cultura. Eles são unidades de uma cultura. Por exemplo: uma idéia, uma crença, um carro, um lápis, um colar, uma pulseira. É necessário ressaltar que os traços culturais só têm significado se considerados dentro de uma cultura específica. Um colar pode ser um simples objeto de adorno para um determinado grupo e para outro ter significado mágico ou religioso.
Complexo cultural: é a combinação dos traços culturais em trono de uma atividade básica. Por exemplo, o carnaval no Brasil é um complexo cultural que reúne um grupo de traços culturais relacionados uns com os outros: carros alegóricos, música, dança, desfiles entre outros.
Padrão cultural: é uma norma de padrão estabelecida pela sociedade. Os indivíduos normalmente agem de acordo com os padrões estabelecidos pela sociedade em que vivem. No Brasil, por exemplo, o casamento monogâmico é um padrão de nossa cultura.
Subcultura: no interior de uma cultura podem aparecer diferenças significativas, caracterizando-se então uma subcultura. Pode-se falar, por exemplo, numa subcultura nordestina. Embora não sejam totalmente diferentes dos da cultura geral do Brasil, os costumes, os valores, o modo de ser dos nordestinos apresenta características próprias, que se distinguem das dos habitantes de outras regiões do país. Também os jovens apresentam costumes às vezes muito diferentes dos da população adulta; por isso, alguns autores falam de uma subcultura juvenil. Além desses, podemos citar outros grupos que expressem subculturas próprias: surfistas, punks, seitas religiosas, pichadores, determinados grupos profissionais, modelos, bandidos, toxicômanos, etc.
Contracultura: nas sociedades contemporâneas encontramos pessoas que contestam certos valores culturais vigentes, opondo-se radicalmente a eles, num movimento chamado de contracultura. Um exemplo disso é o movimento hippie que surgiu na década de 60. Esse grupo era crítico ferrenho da sociedade de consumo, mostrava seu descontentamento com uma atitude despojada, vestindo roupas surradas e nunca cortando o cabelo. Os hippies eram inimigos da guerra e da desumanização imposta pela sociedade industrial, proclamavam a necessidade de paz e amor. Viam a cultura da sociedade em que viviam como extremamente repressiva no campo sexual e nos costumes. Por isso pregavam o sexo e o amor livres e o uso de drogas alucinógenas. Muitos combatiam o individualismo presente na sociedade de massa e se dirigiam para o campo, onde viviam em comunidades. Lá todos trabalhavam e dividiam igualmente o fruto do trabalho coletivo.
Características da cultura
O professor Robert Braidwood, da Universidade de Chicago, procurou caracterizar no seguinte texto os principais elementos que definem a cultura:
• É adquirida pela aprendizagem, e não herdada pelos instintos.
• É transmitida de geração a geração, através da linguagem.
• É criação exclusiva dos seres humanos, sendo, portanto, um traço distintivo da humanidade.
• Inclui todas as criações materiais e não materiais dos homens,
• Apresenta estruturas duradouras, mas que também sofrem evolução através da história.
• É um instrumento indispensável à adaptação do indivíduo ao meio social, tornando possível a expressão das potencialidades humanas.


5. Dimensões da cultura

Ao analisar o “Renascimento”, movimento cultural surgido no Norte da Itália, nos séculos XIV e XV, percebemos que ele estava ligado a uma certa parcela da população da Europa – a “burguesia”.
A burguesia era formada por comerciantes que tinham como objetivo principal o lucro, através do comércio de especiarias vindas do Oriente. Esse segmento da sociedade conquistou não apenas novos espaços sociais e econômicos, mas também procurou resgatar ou fazer renascer antigos conhecimentos da cultura greco-romana. Daí o nome Renascimento.
A burguesia não só assimilou esses conhecimentos como, ainda, acrescentou outros, ampliando o seu universo cultural. Por exemplo, ao tentar reviver o teatro de Sófocles e Eurípedes (que viveram na Grécia antiga), os poetas italianos do século XVI substituíram a simples declamação pela recitação cantada dos textos, acompanhada por instrumentos musicais. Dessa forma, acabaram por criar um novo gênero – a “ópera”.
Desde a sua origem, a burguesia preocupou-se com a transmissão desse conhecimento a seus pares. A partir daí, então, foram surgindo instituições como as universidades, as academias e as ordens profissionais (advogados, médicos, engenheiros e outros). Com o passar dos séculos e com o processo de escolarização, a cultura dessa elite burguesa tomou corpo, desenvolveu-se com base em técnicas racionalizadas e científicas.
Essa cultura “erudita” ou “superior”, também designada cultura “de elite”, foi se distanciando da cultura da maioria da população, pois era feita pela e para a burguesia.
A cultura “popular”, por sua vez, mais próxima do senso comum e mais identificada com ele, é produzida e consumida pela própria população, sem necessitar de técnicas racionalizadas e científicas. É uma cultura em geral transmitida oralmente, registrando as tradições e os costumes de um determinado grupo social. Da mesma forma que a cultura erudita, a cultura popular alcança formas artísticas expressivas e significativas.
Toda cultura tem um aspecto material e outro não material.
A cultura material consiste em todo tipo de utensílios, ferramentas, instrumentos, máquinas etc. utilizados por um grupo social. Por exemplo, numa sociedade indígena o arco e a flecha, as ocas e os instrumentos de cozinha e na nossa sociedade o automóvel, as roupas, os talheres, etc.
A cultura não-material abrange todos os aspectos não materiais da sociedade, tais como: regras morais, religião, costumes, ideologia, ciências, artes, etc. Por exemplo, a maioria da população brasileira segue a religião católica, não há pena de morte de morte na legislação do Brasil, embora proibido por lei, o preconceito racial é bastante claro no país.
Existe, porém, uma interdependência entre a cultura material e a cultura não-material. Quando, por exemplo, assistimos à apresentação de uma orquestra, sabemos que as músicas apresentadas são produto da criatividade de um ou mais músicos. Entretanto, para comunicar sua criação aos outros, os artistas valem-se de instrumentos musicais.

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